O acantonamento é um momento onde a tropa energizada de umas cento e poucas crianças passam a noite na escola, dormindo em sacos de dormir, depois de algumas horas de atividade intensa, longe de pais aflitos (posso jurar que alguns pais fazem um acampamento na porta da escola, embora não tenha ficado lá para conferir). Mas o evento marca um importante rito de passagem em que as crianças estão deixando o ensino infantil e passando para a nova etapa do fundamental. Então, de certa forma, de fato a tropa está se reagrupando e reabastecendo para um novo percurso e se preparando para novas batalhas.
Além disso é um momento histórico na vida das crianças. Entre tudo o que os pais devem fazer por seus filhos, uma das coisas que eu considero mais importantes é criar memórias. É, na verdade, permitir que eles vivam situações que vão marcar suas vidas e serão lembranças de dias importante, felizes, desafiadores, curiosos... enfim, para o resto de suas vidas. "Lembra aquela viagem que fizemos com o vovô e a vovó? Lembra das festas juninas no sítio? Lembra quando desmontamos a bicicleta? Lembra do acantonamento? Lembra...". As lembranças e experiências são parte muito importante da nossa formação e eu tenho certeza que o dia do acantonamento terá destaque no cardápio desses meninos e meninas que estudam na Escola Parque.
Já no início do ano o Pedro sabia que este dia chegaria e, já naquela época, lhe parecia um grande e distante desafio. Lembro que estávamos todos passando por uma grande adaptação, talvez o primeiro grande rito de passagem consciente pelo qual nosso primogênito passava, pois ele havia saído da creche e pré-escola que frequentava desde bebê, onde conhecia todo mundo, circulava com toda naturalidade e era o mais velho da turma dos mais velhos da escola.
Agora ele estava em uma grande escola nova, um espaço muito maior (e mais incrível, diga-se...), frequentado por adolescentes, com amigos e amigas novas... Papai e mamãe estavam preocupados com isso tudo, mas o moleque, na verdade, estava preocupado mesmo com o tal dia de dormir na escola, que aconteceria dali a nove meses.
No dia em que ele falou disso pela primeira vez, percebemos que ele deveria se preparar para o tal grande desafio (quanto mais eu penso no assunto, mais eu acho que faz sentido usar um termo militar). E foi isso que aconteceu, no ritmo dele, do jeito dele, sem transformar em uma grande missão (como o papai talvez tenha o hábito de fazer), o moleque foi se preparando. Passou a dormir algumas noites no acantonamento do vovô e da vovó (eles chamavam de acampamento e esta é uma nova história, mas acabo de realizar que já era um acantonamento preparatório) e foi amadurecendo.
Com toda a sabedoria que as crianças têm e perdem conforme vão sendo adultizadas, Pedro foi transformando o seu medo em preparação e conseguiu traduzir o desafio em uma baita conquista. Não vou me iludir de que foi fácil e, quer saber, que bom que não foi mesmo. Teve o peso que precisava ter para se transformar em uma grande memória, daquelas que fazem a diferença na vida de cada um.
No dia seguinte dava para ver na carinha dele que foi uma noite cansativa, mal dormida. Estava cansado. Mas também dava para ler em seus olhinhos fundos que havia alegria, orgulho e conquista. Entre tantas coisas que ele podia ter me dito logo que nos encontramos (foram muitas atividades, que eu conto no próximo post), a primeira frase foi "papai, cuidei bem direitinho das minhas coisas e não perdi nada".
Ele só falou isso, "cuidei bem direitinho das minhas coisas e não perdi nada", mas estava dizendo muito mais. Estava dizendo "papai, eu consegui, eu cresci". E foi isso mesmo que aconteceu, meu filho. Nesta noite de sexta para sábado você, mais uma vez, deu um grande salto na direção da criança, do adolescente, do adulto e do ser-humano que está se tornando. Olhando com atenção para o seu rostinho enquanto cantava "madrugada, um céu de estrelas / e a gente dorme / sonhando com o dia" dava para ter um pequeno vislumbre de que ser-humano será (é) este. E é muito difícil dizer o tamanho do orgulho no coração desse papai por tudo o que eu vi em seu rostinho naquele dia.
Sei que você nunca vai esquecer deste dia. Sei que eu também não vou.
Beijos e obrigado por criar tantas lembranças incríveis, meu filho.
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Pedro com a Juliana, moderadora da turma. |