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domingo, 2 de dezembro de 2018

Acantonamento

Eu não conhecia o termo e por algum tempo desconfiei que era algo inventado na escola, uma adaptação da palavra acampamento. Não é, pesquisei um pouco e descobri que é um termo militar que refere-se à acomodação da tropa em um alojamento provisório, como se fosse um quartel de passagem onde os soldados podem descansar e se reabastecer para continuar seus caminhos. Há uma certa ironia que uma escola construtivista tenha escolhido um termo militar para um evento tão marcante na vida das crianças mas, apesar disso, faz sentido.

O acantonamento é um momento onde a tropa energizada de umas cento e poucas crianças passam a noite na escola, dormindo em sacos de dormir, depois de algumas horas de atividade intensa, longe de pais aflitos (posso jurar que alguns pais fazem um acampamento na porta da escola, embora não tenha ficado lá para conferir). Mas o evento marca um importante rito de passagem em que as crianças estão deixando o ensino infantil e passando para a nova etapa do fundamental. Então, de certa forma, de fato a tropa está se reagrupando e reabastecendo para um novo percurso e se preparando para novas batalhas.

Além disso é um momento histórico na vida das crianças. Entre tudo o que os pais devem fazer por seus filhos, uma das coisas que eu considero mais importantes é criar memórias. É, na verdade, permitir que eles vivam situações que vão marcar suas vidas e serão lembranças de dias importante, felizes, desafiadores, curiosos... enfim, para o resto de suas vidas. "Lembra aquela viagem que fizemos com o vovô e a vovó? Lembra das festas juninas no sítio? Lembra quando desmontamos a bicicleta? Lembra do acantonamento? Lembra...". As lembranças e experiências são parte muito importante da nossa formação e eu tenho certeza que o dia do acantonamento terá destaque no cardápio desses meninos e meninas que estudam na Escola Parque.

Já no início do ano o Pedro sabia que este dia chegaria e, já naquela época, lhe parecia um grande e distante desafio. Lembro que estávamos todos passando por uma grande adaptação, talvez o primeiro grande rito de passagem consciente pelo qual nosso primogênito passava, pois ele havia saído da creche e pré-escola que frequentava desde bebê, onde conhecia todo mundo, circulava com toda naturalidade e era o mais velho da turma dos mais velhos da escola.

Agora ele estava em uma grande escola nova, um espaço muito maior (e mais incrível, diga-se...), frequentado por adolescentes, com amigos e amigas novas... Papai e mamãe estavam preocupados com isso tudo, mas o moleque, na verdade, estava preocupado mesmo com o tal dia de dormir na escola, que aconteceria dali a nove meses.

No dia em que ele falou disso pela primeira vez, percebemos que ele deveria se preparar para o tal grande desafio (quanto mais eu penso no assunto, mais eu acho que faz sentido usar um termo militar). E foi isso que aconteceu, no ritmo dele, do jeito dele, sem transformar em uma grande missão (como o papai talvez tenha o hábito de fazer), o moleque foi se preparando. Passou a dormir algumas noites no acantonamento do vovô e da vovó (eles chamavam de acampamento e esta é uma nova história, mas acabo de realizar que já era um acantonamento preparatório) e foi amadurecendo.

Com toda a sabedoria que as crianças têm e perdem conforme vão sendo adultizadas, Pedro foi transformando o seu medo em preparação e conseguiu traduzir o desafio em uma baita conquista. Não vou me iludir de que foi fácil e, quer saber, que bom que não foi mesmo. Teve o peso que precisava ter para se transformar em uma grande memória, daquelas que fazem a diferença na vida de cada um.

No dia seguinte dava para ver na carinha dele que foi uma noite cansativa, mal dormida. Estava cansado. Mas também dava para ler em seus olhinhos fundos que havia alegria, orgulho e conquista. Entre tantas coisas que ele podia ter me dito logo que nos encontramos (foram muitas atividades, que eu conto no próximo post), a primeira frase foi "papai, cuidei bem direitinho das minhas coisas e não perdi nada".

Ele só falou isso, "cuidei bem direitinho das minhas coisas e não perdi nada", mas estava dizendo muito mais. Estava dizendo "papai, eu consegui, eu cresci". E foi isso mesmo que aconteceu, meu filho. Nesta noite de sexta para sábado você, mais uma vez, deu um grande salto na direção da criança, do adolescente, do adulto e do ser-humano que está se tornando. Olhando com atenção para o seu rostinho enquanto cantava "madrugada, um céu de estrelas / e a gente dorme / sonhando com o dia" dava para ter um pequeno vislumbre de que ser-humano será (é) este. E é muito difícil dizer o tamanho do orgulho no coração desse papai por tudo o que eu vi em seu rostinho naquele dia.

Sei que você nunca vai esquecer deste dia. Sei que eu também não vou.

Beijos e obrigado por criar tantas lembranças incríveis, meu filho.

Pedro com a Juliana, moderadora da turma.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Eu quirío

Umas as coisas mais bonitinhas dos nossos filhos são que eles falam errado e ainda assim achamos uma gracinha. Porque são nossos filhos e porque é uma gracinha mesmo. Mas o problema (ou melhor, a solução!) é que com o tempo estas palavrinhas vão sumindo e ficando apenas em nossas memórias, enquanto as crianças vão crescendo. Se eles estão crescendo, nós estamos envelhecendo e isso significa que a nossa memória acaba se perdendo. E aí... por que mesmo que eu comecei a escrever sobre isso? Ah, já sei! Para dizer que a gente precisa registrar os erros-gracinha antes que a memória se perca das lembranças.

O Bernardo tem uma que eu acho muito fofinho que é "o pa... o pa... pa... pa... papai... eu quirío, sabe o que eu quirío? Eu quirío um biscoito da Maria". Primeiro tem a gagueira que, no início nos deixou preocupados, mas que depois fomos tranquilizados, que se trata mais de ansiedade de falar do que gagueira mesmo (e de fato tem melhorado muito com o tempo). Mas este "quirío" é demais, muito mais legal do que "queria"!

Tem um que o Pedro também erra às vezes e, acho que por isso, o Bernardo aprendeu assim: tavo. Não reconhece, então veja agora do contexto:

Papai: Meninos, por que esta confusão?
Pedro: Papai, eu tavo brincando de lego e o Bernardo tava mexendo!
Bernardo: Eu não tavo mexendo não!

Também acompanhando o vocabulário do irmão "Pêdo" o cavalinho dele não faz pocotó, faz potocó. O vovô é "Nilto" e a vovó Beth "tira" confete. A vovó Sonia gosta de brincar de "capaninha". Outro dia tinha uma mosquinha morta no banheiro e o Bernardo veio me mostrar. Eu falei que ela estava dormindo e ele me disse: "não papai, ela tá morrida". Todo dia de manhã ele nos pede para ver um pouquinho de "telelisão" mas não erra nem o Netflix, nem o YouTube.

É claro que tem mais, só que eu não me lembro agora. Sem problemas, conforme for lembrando vou deixando registrado aqui.

Beijos do papapapapapapai


"Minha cor favorita é vemelho"

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Capoeira 2018

Em 4 de março de 2015 a Li contou um pouco sobre o início da capoeira do Pedro. Na ocasião o moleque, com quase quatro anos, estava começando todo empolgado e resolveu nos ensinar um pouco dos exercícios. Entre eles plantar bananeira com os pés na parede e aprender a cair. Vai  ler, relembrar e rir um pouco, que vale. Em certa altura ela comenta que ficou assustada e que, por isso, já era hora de procurar uma outra atividade para ele. Mal sabia ela que quase dois anos e meio depois ele estaria, de fato, começando uma outra atividade... o parkour :-o

Mas o interessante é que o moleque continuou na capoeira desde aquele dia e continua até hoje, mesmo tendo trocado de escola, e neste final de semana participou da cerimônia anual de troca de corda. Pela primeira vez em todos estes anos ele passou a usar uma corda colorida (duas cores, na verdade). Ele usava antes uma corda toda branca que, a cada ano, tinha a franjinha da ponta pintada de uma cor diferente. Mas a pintura da franjinha era simbólica, a corda branca (corda crua) representa o início no esporte da capoeira, é o iniciante que ainda está se adaptando ao grupo.

A partir de agora ele está usando uma corda bicolor crua + amarela. Esta corda, sim, é a primeira corda. É a corda que representa o batizado do moleque na capoeira (aliás, para quem não sabe, na capoeira o Pedro é chamado de "Biscoito") e significa que ele já faz uma sequência e toca um instrumento, pandeiro ou berimbau. Como diriam por aí, o bagulho agora ficou sério! E o papai aqui, claro, super orgulhoso! Mas, de verdade, deu para notar uma evolução séria do garoto neste último festival. Antes era tipo uma brincadeira, mas agora ele realmente segue os movimentos da capoeira.

E o bolota? (será que este será o seu apelido dele na capoeira). Nosso Bê deve começar "oficialmente" na capoeira ano que vem. Mas, "extra-oficialmente" ele já está praticando há meses. É que o Pedro tem feito aula de capoeira no play e o Bernardo desce, não para assistir, mas para participar. Infelizmente nunca tive a chance de vê-lo em ação, mas a Suba me conta que ele é o aluno mais atento do grupo e que toda hora chama o mestre para perguntar "tio, é axxim? Tá xerto?". Ginga, chuta, dança, dá cambalhota, faz de tudo.

Bem, são os relatos da Suba. Mas devem ser bem realistas porque no final de semana ele ganhou de presente uma camiseta feita especialmente "para o melhor aluno de capoeira do mestre Kalil"! Coisinha mais linda, gente. Agora estamos ansiosos pelo próximo festival... será que os irmãos vão gingar juntos?!

Beijos do papai.

Que postura, hein!?
 
Orgulhoso com a corda nova.

Orgulho do vovô Nilton e da vovó Sonia.

Orgulho da vovó Beth.

Peraí, o dindoboy foi também?!

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Trosllei

Já faz tanto tempo! Estava olhando aqui e o meu último post foi em fevereiro! Um absurdo, meus leitores devem estar desolados! Ainda bem que a Ligia, heroicamente, tem feito algumas atualizações. Mas confesso que estava sentindo falta e tem tanta, tanta, tanta coisa legal para escrever, contar, registrar... mal sei por onde começo.

Então vou começar pelo trosllei!
Muito bem, eu sou o Duda! (entendedores, entenderão).

Já faz alguns meses que deitei com o Bernardo para fazê-lo dormir e falei que iria contar a estória do João Pé de Feijão.

Um parênteses sobre esta estória (é que meu pai sempre contava, então além de ser algo que me desperta carinho pelas lembranças de infância, já meio que está gravada no inconsciente, então eu consigo continuar contando mesmo quando o sono vem. Acho até que eu continuo contanto enquanto tiro uns cochilos se os moleques demoram para dormir) fecha parênteses.

Então comecei a contar e o Bernardo com um pouco mais de dois anos me falou "eu quero a estória do Luccas Neto". Se você não sabe quem é Luccas Neto é porque não tem filhos, mas tem muita sorte. Um dos youtubers (se você não sabe o que é youtuber, vai no Google, pelo amor de Deus) mais famosos e bem sucedidos da atualidade, irmão de outro youtuber (Felipe Neto), e que publica vídeos (todos os dias às 19hs) para crianças. A qualidade é bem questionável (mas, cá para nós, na minha época assistíamos ao Didi Mocó Sonrizep Colesterol Novalgino Mufumbbo e o Silvio Santos no Domingo Legal, então não dá para reclamar muito né?...).

Muito bem, eu já havia ouvindo na ocasião o nome Luccas Neto, mas nunca tinha assistido. Então me perguntei se eu havia ouvido corretamente o que o bolota havia pedido, mas não discuti. Comecei a contar a história do Luccas Pé de Feijão e pensei "Bernardo não vai nem perceber": "Era uma vez um menino chamado Luccas que morava..." mas ele me interrompeu falando "Papai, Luccas N-E-T-O". Não, eu não havia ouvido errado.

De lá para cá o Luccas Neto virou praticamente um primo lá em casa. Pedro, que nunca havia se interessado pelo youtuber do conglomerado Irmãos Neto Produções, passou a gostar E também assistir direto. Eu, que continuo não me interessando, acabo assistindo direto junto com eles e já conheço os jargões ("pra ficar legal, assine o meu canal, vai vai vai vai, assinando sem parar..."), os cenários ("este vídeo é antigo porque o Luccas já se mudou para uma casa maior...") e todas as brincadeiras.

Eu sei que muitos pais não deixam os filhos assistirem. Um dia desses o Pedro recebeu um amigo lá em casa e me falou assim "papai, o fulano adorou o Luccas Neto. Você acredita que ele nunca tinha visto?!". Pensei "acredito filho. E você acredita que os pais dele nunca mais deixarão ele vir aqui?!". Mas, enfim, a gente deixa. Às vezes confesso que a gente até precisa do Luccas Neto porque os dois ficam tão quietinhos assistindo... :-)

Mas este post todo não é apenas sobre o Luccas Neto, Felipe, Rony, Gigi, Pedro e Bernardo. É que eu me lembrei que anos atrás eu criei um canal no youtube chamado "Quero ser youtuber". Apesar do nome, o intuito era produzir e publicar alguns vídeos sobre um pai de mais de 40 anos (eu!) aprendendo a conviver com esta nova realidade onde nossos filhos estão crescendo. E a brincadeira era justamente que, antigamente, as crianças diziam "papai, mamãe, quando eu crescer quero ser médico" ou "quero ser astronauta". Mas as crianças de hoje diriam "papai, mamãe, quando eu crescer quero ser youtuber" e nós pais teríamos que conviver com este "choque", entre um milhão de outros choques que nos esperam.

Muito bem, o meu canal não foi pra frente (porque, afinal, eu preciso pagar as contas lá de casa trabalhando e aparentemente não levo jeito para youtuber), mas esta semana estávamos com o Pedro no carro depois de uma festinha e o moleque me saca lá do banco de trás... "papai, mamãe, eu quero ser youtuber". Confesso que foi antes do que eu esperava!

A seguir cenas dos próximos capítulos... no youtube!

Beijos do papai

Bem tranquilinhos na hora de dormir...

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Cinderela


Ontem o dever de casa do Pedro era sobre a Cinderela. Na verdade era uma atividade para reforço de escrita e leitura com base em um conto famoso da Disney. 

Pedro tinha que ler o texto, completar as lacunas, desenhar e escrever trechos que ele lembrasse da história. Então ele me perguntou qual versão deveria usar. Respondi que desconhecia a existência de duas versões da Cinderela e pedi que ele me contasse. Bem, uma delas era padrão e a outra vai me dar pesadelos pelos próximos dias.

A versão escolhida por ele para realizar sua atividade consistia em mutilação de parte dos pés das irmãs más por elas mesmas fazendo com que o príncipe ao ver tanto sangue no sapato de cristal desconfiasse do ato e tivesse certeza de que nenhuma delas era a sua amada. Frustadas e infelizes elas arrancaram seus próprios olhos.

Sem mais.



segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Matemática é vida

Acabei de chegar no trabalho e me deparar com um e-mail da escola do Pedro, que considerei muito interessante e ótimo para uma reflexão geral sobre modelo educacional. 

"Crianças pequenas são investigadores espontâneos que têm curiosidade insaciável e orgulho de suas realizações. Se as encontrarmos onde elas estão e as encorajarmos a pensar de sua própria maneira e relacionar as coisas de seu jeito, ao invés de obrigá-las a dar respostas 'certas', elas vão construir o conhecimento de forma a levar o desenvolvimento até onde for biologicamente possível. O conhecimento que tem sentido para aquele que aprende provavelmente levará a um aprendizado maior. Não se pode esperar que respostas 'corretas' que não têm sentido e não são interessantes resultem em autonomia intelectual e em um desenvolvimento maior."
Constance Kamii e Rheta DeVries 


De fato, Pedro parece estar se divertindo com a proposta.