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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Carol e sua mãe

Um dia desses desci o elevador do prédio onde fica o escritório da minha empresa com a mãe da Carol. Só para esclarecer, eu não conheço nem a Carol nem a mãe dela. Mas como estávamos esperando o elevador juntos e, por coincidência, fomos buscar nossos carros no mesmo estacionamento, não pude evitar de ouvir a conversa da mãe da Carol com a filha ao telefone. A cena era a seguinte: a mãe da Carol é um pouco mais velha que eu e parecia ocupada no meio do dia, indo de um lugar para outro precisando resolver assuntos diversos. Por mais estressada que ela parecesse antes, quando atendeu o telefonema da filha falou de forma alegre e sorridente “Oi minha filha!”.

Alguns segundos de silêncio para mim, o expectador, que só consegui ouvir uma parte da conversa. Mas o rosto sorridente da mãe rapidamente voltou ao semblante de estresse que estava antes. Acho que até pior. Ela começou a falar “Ir aonde minha filha? Hã, como? Com quem? Agora? Não, não. Carol, não foi isso que combinamos. O combinado era você ir direto para casa. Não Carol, nós combina... Carol, escuta filha. Caroool, escuta. Não, minha filha. Eu não gosto das coisas feitas assim em cima da hora... Carol, escuta, você combina outro dia com a amiga. Carol, filha, escuta... Caroool... estou entrando no elevador a ligação vai cair... Carol, não Carol. Vai cair a ligação. Você fica aí onde está. Carol? Carol? Caiu.”.

Ficamos os dois no elevador esperando enquanto ele ia em direção ao térreo. Ela com cara de preocupada e sem entender porque aquele maldito elevador levava tanto tempo para descer. Eu estava sorrindo e fingindo que não era dela, para não pegar muito mal. Cheguei a pensar que deveria fazer um comentário ou uma piadinha, mas desisti. Nem sempre as pessoas estão de bom-humor. Sobretudo quando um estranho está prestando atenção em sua conversa ao telefone. Mas também, fazer o quê? O celular tem esta característica, leva a sua conversa para locais públicos e nem sempre você pode contar com a boa educação das pessoas, que não devem ficar ouvindo sua conversa. Chegando ao térreo fomos caminhando pela rua para o estacionamento e confesso que me distraí e perdi parte do diálogo. Nem tinha reparado que ela estava indo para o mesmo estacionamento.

Só quando estava na fila catando o maldito papel do estacionamento escuto ao meu lado: “Não Carol, já disse que não... Filha, em casa a gente conversa. Não filha não quero falar com sua amiga... filha?... Oi Helena... não Helena, eu não vou deixar... porque eu não gosto das coisas feitas assim em cima da hora... deixa eu falar com a Carol... não Helena, outro dia ela combina com você, mas hoje não. Deixa eu falar... Oi Carol... filha, eu não vou deixar hoje, não adianta. Eu sei, a Helena falou, mas eu não vou deixar mesmo assim...”. A conversa continuou mais ou menos neste tom até que o meu carro chegou e fui embora pensando que eu já tinha vivido aquela cena algumas vezes. No lugar da Carol.

Me lembrei, por exemplo, de quando eu e a Luba, minha prima, pedimos às nossas mães que nos deixassem ir caminhando sozinhos para o Popeye. O Popeye era uma lanchonete que ficava a mais ou menos quinze minutos de caminhada do nosso condomínio em Iguaba. Saíamos do nosso condomínio (muito seguro) pela praia, passávamos pelo condomínio Villagio de Iguaba (seguro também). Depois passávamos pelo Aldeia 99, outro condomínio (muito seguro) de casas. Saindo do Aldeia 99 vinha o trecho mais perigoso... eram mais ou menos 100 metros na beira da Lagoa de Araruama onde havia um terreno baldio. Imaginem o que podia acontecer com duas crianças em um terreno baldio como aqueles. Entre monstros e pescadores, nossas mães ficaram horrorizadas com estes pensamentos e não permitiram.

Ou seja, éramos as únicas crianças da nossa idade que não podiam ir sozinhas andando para a tal lanchonete. As outras crianças do condomínio iam e voltavam escapando das garras dos tais pescadores violentos e sexualmente perturbados que moravam no terreno e viviam à nossa espreita. Mas, como queríamos muito conhecer o mundo fora dos muros do condomínio, a pressão foi grande. Em determinado momento as outras crianças do condomínio se juntaram abaixo de nossa varanda e ficaram gritando “deixa... deixa... deixa...”. Nesta hora eu não sabia se ficava emocionado com a força da massa ou me jogava de cabeça lá de cima morrendo de vergonha. Mas acabou que deu certo. Quer dizer, mais ou menos.

Recebemos o passe livre para ir ao Popeye! Eu teria uma dívida difícil de pagar com todos os meninos e meninas de três ou mais condomínios de Iguaba, mas a mobilização tinha dado certo! Já podia me imaginar passando triunfante pelos tais pescadores violentos, chegando sozinho ao Popeye e, sem a supervisão dos pais, encher a cara de coca-cola e sorvete chica-bom (apesar dos pescadores com distúrbios sexuais, eram tempos muito mais inocentes). Só que as filhas de Dona Iaiá têm o seu jeitinho especial de fazer as coisas e mais ou menos quando está vamos chegando ao Aldeia 99 resolvemos olhar para trás. Adivinhem quem vinha saltitante e serelepe caminhando a uma “distância segura”?

Em uma incrível coincidência, minha mãe e minha tia tinham decidido conhecer o Popeye exatamente 5 minutos depois que eu e minha prima saímos. Não sei se fantasiei esta parte, mas me lembro de um dos garotos perguntando “aquelas duas lá não são sua mãe e sua tia?”. “Não sei, não estou enxergando. Eu tenho problema de vista. Aliás, eu também tenho problemas na cabeça. Vou enterrá-la aqui neste buraco por dois ou três verões e depois eu encontro vocês lá no Popeye, beleza?”.

É Carol, confie em mim, é melhor aceitar o não de sua mãe do que encontrá-la sabe-se lá onde a Helena quer levar você. É Pedro, sinto muito mas eu sou neto de Dona Iaiá e desconfio que sua vida não será mais fácil que a da Carol. Ou do Duda.

Beijos do pai ansioso para atender um telefonema do filho.

Brincadeira de menino

De quem é este pé gordinho?...

3 comentários:

  1. Tô ficando cada dia mais boba,me emocionei com a história do Popeye.Num próximo post, vc conta aquela história da Salina ao lado do condomínio SEGURO da tia Ange. Aí, eu, tia Nádia,e a mãe da Carol provaremos que todo o cuidado é pouco.
    É melhor pagar um terapeuta para os nossos filhotinhos do que um hospital.
    Bjs da vovó (ex mamãe neurótica)

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  2. AMEIIIIIIII O POST SEM DÚVIDA UM DOS MELHORES!!!
    Jesus e eu que até hoje passo por isso, com 23 anos!!!!Essa história de Dona Iaiá é um caso sério!

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